quarta-feira, março 19, 2008

Antígona




A profundidade de Sófocles a analisar problemas como a fractura entre a lei natural e a lei do estado.
A contradição entre a Justiça e a Lei, a tirania que se serve de decretos casuísticos para fundamentar e apoiar a sua "vontade de poder" e a desobediência de quem se torna intolerante perante o domínio do arbitrário transformado em lei, fazem de Antígona o texto mais exemplar e duradouro da tragédia grega.
Depois de um enorme percurso sobre as Antígonas da dramaturgia universal A BARRACA fixou-se no texto luminoso de Sófocles. A peça com 2500 anos é ainda uma lição sobre os extremismos dos nossos dias. O conflito que opõe Antígona ao poder autoritário acaba por ser o elogio do equilíbrio e do diálogo como forma de salvar as democracias.


A Luz de Antígona

Vinte e seis séculos depois da sua criação, "Antígona" de Sófocles ainda ilumina o nosso tempo. Estreada no século de Péricles quando em Atenas se inventava e se levava à prática a construção da primeira democracia da História, Antígona é elevada a mito pelo seu autor a partir de meia dúzia de linhas da Ilíada e de Esquilo. Sófocles quis deixar-nos uma história de proveito e exemplo. E por isso deixou-nos nas suas obras do ciclo Tebano o itinerário de Antígona paradigma de amor filial, fraternal, de resistência ao autoritarismo, de cumprimento da Justiça e da lei natural.
Sófocles, como Péricles, como Fídias, como Sólon, quiseram, no seu tempo de vida, deixar claros os fundamentos e a lei com que devia reger-se uma sociedade democrática, equilibrada, feliz e por isso duradoura e resistente. A sua Atenas não era uma utopia, pois, ainda que por pouco tempo, ela existiu. Mas passou a sê-lo para os vindouros. E Sófocles deixou-nos nesta peça-lição, lida diferentemente ao longo dos séculos, o exemplo da cidade negra onde se conflituam, sublimes ou baixos comportamentos, caracteres e destinos a evitar.
Nunca um autor se deixou tão presente distribuindo-se nas personagens do seu drama. Porque Sófocles é Creonte no que ele tem de defensor da cidade, é Antígona no que ela tem de resistente à tirania e arbitrariedade e de defensora da lei que aprendeu a respeitar como justa, e é principalmente Hémon quando este é capaz de confrontar o pai com a discricionariedade com que ele vive o exercício do poder e quando sintetiza em três frases a essência do poder absoluto, e é Tirésias quando antevê a desgraça do que a injustiça de Creonte irá trazer de volta à sua cidade: a Guerra, o Caos. E é também, ainda que a meu ver, menos, o Coro que à maneira ocidental vê, ouve, lê, não ignora, mas aceita viver dentro de parâmetros que o paralisam para além do seu direito de usar a palavra e deixar acontecer.

Ao longo da História Antígona foi lição e luz. No tempo da construção do Estado-Nação, Antígona e Creonte foram vistos como opositores iguais na dicotomia Família / Estado, chegando Hegel a considerar Creonte uma figura da mesma qualidade da sua antagonista. Eram extremos opostos que personificavam um conflito que era preciso superar. Outra leitura faz Brecht que vê nela uma heroína pacifista. E por aí fora Antígona foi paradigma da luta anti-nazi, resistente contra a ocupação, paradigma feminista, reflexão sobre a Lei e a Justiça. Foi à volta desta última leitura que me apeteceu reflectir sobre esta tragédia porque afinal, como é possível vivermos pacífica e passivamente sob o domínio da fractura entre a Justiça (Dike) e a Lei (Nomos) onde todos os dias regulamentar é legislar contra a Lei. Todos os dias se emendam constituições, sempre ao arrepio do bom impulso que as fez nascer. Todos os dias se editam despachos normativos e decretos que corrigem na especificidade leis mais amplas e generosas, porque elas atrapalham o interesse dos mais poderosos. Todos os dias sob a capa dos direitos humanos se impõe ao mundo uma regra de eleições "democráticas" como a única maneira de chegar à legalidade que, depois não serve, quando quem ganha são os "inconvenientes", caso do Hamas, da Fretilin, etc, etc. Todos os dias milhões de juristas trabalham nessa fractura entre a Justiça e a Lei para, por dinheiro, conseguirem defender os crimes dos seus clientes.

Antígona defende a Justiça (religiosa ou laica) contra um decreto que, publicado no rescaldo de uma guerra, não é mais do que uma demonstração da capacidade de instalar o terror obediente que, segundo Creonte, salvará a cidade. E morre por isso. Última herdeira de uma família maldita (Ismena, a irmã perde, por obediência, a Eternidade), ela nem por um momento, mesmo diante da morte que receia como todos os heróis antes do sacrifício, recua nas suas convicções. Por isso os séculos fizeram dela a heroína. E por isso Sófocles dá o seu nome à peça.

Não me perguntem onde se passa o meu espectáculo. Passa-se num pequeno país injusto chamado Mundo, onde os tempos e as referências se misturam. Onde há militares a usarem da sua força desmedidamente, onde há gente a correr atrás das macas dos seus mortos, e mortos aos milhares sem sepultura, onde há homens assassinados (príncipes enfurecidos) por quererem voltar às suas terras e casas que lhes estão vedadas contra toda a lei. E nós no meio deles. Nós, um coro de bem intencionados, nós que não gostamos de "matar galinhas, mas que gostamos de comer galinha". Nós de sobretudo, não vá o frio desabrigar-nos, paralisados, porque não queremos incorrer no excesso, mas que, e mais uma vez como a nossa "grega" Sophia escreveu, "vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar".

Maria do Céu Guerra

p.s.: mais uma vez, e agora por escrito, Obrigada aos actores pelo seu trabalho


Horários:
5ª a sábado às 21h30
Domingo às 16h00
M/12

Bilhetes:
12,5 €
Menores 25, Maiores 65, Estudantes, Reformados e Grupos (+ 15 pessoas): 10 €
Quintas - Feiras: 5€ (preço único)

Locais de Venda: Bilheteira da sala; Fnac; Bliss; Abreu; Bulhosa; Worten e www.ticketline.sapo.pt

Ficha Artística e Técnica

Texto de Sófocles
Espectáculo de Maria do Céu Guerra
versão da responsabilidade de Maria do Céu Guerra, a partir da tradução de
Maria Helena da Rocha Pereira
Cenografia de Carlos Amado sob Consultoria de Lagoa Henriques

Elenco: Rita Lello (Antígona), José Medeiros (Creonte), João D'Ávila, Jorge Gomes Ribeiro, Maria do Céu Guerra, Mariana Abrunheiro, Rita Fernandes, Pedro Borges, Ruben Garcia, Sérgio Moras, Tiago Cadete
Grupo Abadá-Capoeira:
Adriano (Sossego), Daniel Botelho (Alf), Diogo Ferrasso (Mister), Geovasio Silva (Dinho),
Jadei (Magrão), Rodoval Ruas (Chá Preto), Yuri Buba (Kalu)

Figurinos: Maria do Céu Guerra
Máscaras: Delphim Miranda
Execução da Cenografia: Luis Thomar
Execução de Guarda Roupa: Alda Cabrita
Vídeo: Frederico Corado
Luminotecnia: Fernando Belo
Sonoplastia: Rui Mamede e Maria do Céu Guerra
Operação de Som: Rui Mamede
Apoio Técnico: José Carlos Pontes
Montagem: Mário Dias, João Daniel Dias
Costureira: Inna Siryk
Relações Públicas e Produção: Elsa Lourenço
Assistente de Produção: Inês Marques
Secretariado: Maria Navarro
Fotografias: Luis Rocha, Tânia Araújo- Movimento de Expressão Fotográfica

Agradecimentos:
Maestro António Victorino de Almeida
Major Pedro Costa Lima

Estrutura financiada por:
Ministério da Cultura, Direcção Geral das Artes

Apoios:
Câmara Municipal de Lisboa, ISPA, LG, Estée LAuder, SATA Internacional, GNR, Vitor Hugo Cabeleireiros, MEF, Novos Parodiantes, Rádio Europa, Diário de Notícias, Cision, FNAC, Super Bock, Dialogue

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Exercício de Teatro - Divulguem

Recebi o E-mail abaixo de um amigo que pediu para divulgar... aqui vai:

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Boa tarde, venho por este meio convidar-vos para assistirem a um exercício de teatro de um grupo de alunos da Escola E B 2,3 Miguel Torga do Casal da Boba na Amadora que foi extinto em 2007 por falta de financiamento.

Decidimos, eu e os alunos, fazer um esforço suplementar e marcámos ensaios neste mês de Janeiro. O Grupo deTeatro de Carnide cedeu-nos a sala para podermos fazer a nossa apresentação e à sua direcção o nosso muito obrigado.

A melhor lição para um aluno de teatro que um aluno de teatro pode ter é fazê-lo. E se possível nas melhores condições. Só nos falta o público. A entrada é gratuita.Seria fantástico fazerem parte da nossa história, mesmo que essa parte seja o fim. Ou quem sabe o começo de outras...

Informações ou reservas 91 204 39 39 ou 96 246 64 69

Dias 18 e 19 às 21h30.

Marcações sujeitas à lotação da sala.


Por favor, ajudem-nos a divulgar.

Obrigado.

Ricardo Gageiro

sábado, setembro 29, 2007

O Construtor Solness


Tradução Pedro Fernandes
Encenação Carlos Aladro
Cenário e figurinos Cristina Reis
Desenho de luz Carlos Aladro, Rui Seabra e Luis Miguel Cintra a partir de um desenho de luz original de Daniel Worm d’Assumpção
Som Juan Manuel Artero
Distribuição Beatriz Batarda, Duarte Guimarães, Luís Lucas, Luis Miguel Cintra, José Manuel Mendes, Sofia Marques e Teresa Sobral.

Teatro do Bairro Alto, Lisboa

de 27 de Setembro a 4 de Novembro de 2007

quinta-feira, junho 21, 2007

A Gaivota


Encenado por Luís Miguel Cintra

Sobre a vida quotidiana, a arte, as grandes questões do pensamento humano, Tchecov construiu uma das suas primeiras grandes peças.

Uma análise das relações humanas transmutada em comédia.

A não perder, até dia 24 de Junho, no Teatro da Cornucópia.

sexta-feira, março 09, 2007

"Morte, Cultura e Arte"

O Espaço T promove nos próximos dias 22 e 23, o V Congresso Internacional.

Sobre a importância da morte nas nossas vidas e na arte, e as diferentes formas de ver e sentir a morte em diferentes culturas e religiões.

Destinatários:
- Técnicos de Saúde
- Psicólogos
- Professores
- Artistas
- Animadores Sócioculturais
- Estudantes
- Público em Geral

terça-feira, fevereiro 06, 2007

4th European Psychoanalytic Film Festival

Irá decorrer em Londres no início de Novembro!

quinta-feira, janeiro 11, 2007

A Alma e o Génio

O que faz de um homem um homem de génio - ou melhor o que eles fazem - não são as ideias novas mas essa ideia, que nunca os larga, que o que já foi dito não o foi nunca suficientemente.
(...) O que tortura a minha alma é a sua solidão. Quanto mais ela se dispersa pelos amigos e os prazeres comezinhos, mais esta me foge e se esconde na sua fortaleza. A novidade encontra-se no espírito que cria e não na nautreza reproduzida.

Tu que sabes que o novo existe sempre, mostra-o aos outros - no que eles nunca souberam ver. Faz-lhes compreender que nunca tinham ouvido falar do rouxinol, do espectáculo do mar imenso ou de tudo aquilo que os seus grosseiros órgãos só se encontram em condições de desfrutar depois de se ter tido o trabalho de sentir por eles.

E não faças da língua um empecilho, porque se cuidares da tua alma ela arranjará forma de se dar a entender. Criará uma nova linguagem que valerá os hemistíquios deste ou a prosa daquele. O quê?, diz-me que se considera uma pessoa original e fica insensível à leitura de Byron ou de Dante? Essa febre que considera a força do engenho talvez não passe, afinal, da necessidade de imitar ?!... Não!, é que eles não disseram a centésima parte do que havia para dizer; é que numa só das coisas que eles abordam existe mais matéria-prima para os novos génios do que... e que a natureza depositou nas grandes imaginações do futuro mais coisas novas a dizer sobre a sua criação do que as coisas que criou.

in "Diário"


Eugène Delacroix
França[1798-1863]
Pintor